domingo, fevereiro 11, 2007

Uma lua temperamental

É com enorme satisfação que escrevo neste blog, que já lia com frequência desde há algum tempo, e através do qual posso contactar com as ideias de colegas que tanto admiro. Espero que este seja o início de uma divertida colaboração, da qual espero vir a aprender muitas coisas e receber notícias de como evolui a investigação das Geociências por Portugal.



Como primeiro post, resolvi escrever um pequeno texto sobre a natureza química das fabulosas plumas de Encelado (lua de Saturno), fotografadas pela sonda Cassini. Em post anteriores falou-se bastante de hidratos de metano e vulcões de lama e, neste caso, parece que a geologia dita terrestre, encontra uma manifestação análoga em outras paragens celestes, sendo motivo de alegria para um cientista ver o campo das suas observações alargar-se à escala planetária.

A superfície de Encelado (480 km de diâmetro) apresenta manifestações geológicas curiosas, pelo facto de representarem uma assimetria peculiar na distribuição de actividade. Existem zonas desoladoras, em tudo semelhantes ao que vemos quando contemplamos a nossa Lua, com crateras de impacto de 35 km de diâmetro, sem aspectos erosivos ou estruturas tectónicas. No entanto, outras regiões de Encelado sugerem a presença de uma superfície bastante recente; com fissuras, terreno enrugado e outras deformações crustais. O seu pólo Sul é a parte mais activa, onde foram fotografadas plumas, que escapam ao próprio campo gravítico do satélite, agregando-se aos anéis de Saturno. Os dados recolhidos pela Cassini sugeriam que por baixo da superfície gelada, composta essencialmente por CO2 e água congelados, poderia haver um reservatório de água líquida a uma temperatura próxima do ponto de congelação. A expulsão desta água, através de monumentais geisers, estaria na origem das plumas observadas, de acordo com o seguinte modelo:


No entanto, o modelo descrito falha se considerarmos que 10% dos materiais expelidos nas plumas correspondem a metano e azoto molecular, praticamente insolúveis em água líquida, mas muito solúveis em gelo, formando compostos chamados “clatratos” (grupo no qual se inserem os famosos hidratos de metano). Assim, seria impossível que estes compostos estivessem em dissolução num reservatório de água líquida. Os investigadores propuseram um modelo alternativo que explique a presença das plumas em Encelado, referindo que os gases detectatos pela Cassini estariam dissolvidos em reservatórios de clatratos, sob o gelo superficial da região sul-polar. Quando os clatratos são expostos ao vazio, as moleculas de gás rompem o gelo onde estão retidas, arrastando partículas do mesmo na sua trajectória em direcção ao espaço. A decomposição violenta de clatratos explica a presença nas plumas de moléculas gasosas de azoto molecular, metano, dióxido de carbono, assim como partículas de gelo. A sublimação de algumas destas partículas resultaria no vapor de água detectado pela Cassini. Este modelo permite supor a existência de um meio com temperaturas entre 80 a 100º C mais frias que a água líquida, no qual se produzem plumas a partir de depósitos de clatratos, e não água líquida.


A exposição de clatratos ao vácuo pode ter a sua origem num ciclo contínuo de abertura e encerramento de fissuras na crosta gelada superficial do pólo sul, alimentado pela energia interna do planeta, gerando, assim, geisers cuja mecânica é muito semelhante aos que vemos na Terra, mas com uma pluma muito maior, devido à sua fraca atracção gravitacional.

Este mecanismo foi publicado na Science de 15 de Dezembro de 2006, e tem como autores cientistas da Universidade de Illinois (Southwest Research Institute ) e da Universidade da Califórnia.

1 comentário:

João Moedas Duarte disse...

Bem vindo! Gostei muito do post! :) É espectacular perceber que estes fenómenos podem ser estudados à escala planetária..

Um abraço