sexta-feira, maio 25, 2007

Ignorância ou Desinformação!!!

Como já começa a ser tradição grande parte das vezes que vem uma notícia sobre geologia num jornal esta vem cheia de erros. O Público tem-se livrado deste mal. Muitas vezes deixo links neste blog para este jornal por considerar que tem uma qualidade científica razoável. Mas hoje li uma notícia e não pude acreditar no que os meus olhos viram.

A notícia é: "Ota: estudo mostra risco de liquefacção de solos num sismo de grande intensidade" (ver aqui).

Esta notícia de extrema importância, não por se tratar do aeroporto da Ota, mas por tratar de risco sísmico. A notícia tem um erro grave e uma suposição incorrecta.

Comecemos pela suposição:

(...) em caso de sismo de grande intensidade com epicentro na Área Metropolitana de Lisboa, disse hoje a especialista da Protecção Civil Maria Anderson.(...)

Ora, aqui um pequeno reparo, a probabilidade de ocorrer um sismo com epicentro em Lisboa é muito baixa. Não existe nenhuma estrutura geológica conhecida activa que possa gerar esse sismo. Daqui se percebe que a especialista da Protecção Civil poucos conhecimentos tem de geologia ou está muito mal informada, o que é no mínimo vergonhoso. Alguns fenómenos Geológicos naturais são capazes de causar grande destruição, por exemplo os Sismos, Tsunamis, Deslizamentos de Terra e os Vulcões. Devem portanto ser um dos alvos prioritários da Protecção Civil, que deveria ter especialistas nesta matéria. É pena que tenham tão pouca formação nesta nesta área.

Segundo e mais grave:

"(...)O "Estudo dos Cenários Prováveis" equacionou duas hipóteses: a primeira, e menos provável, tomou como referência o sismo de 1755 (epicentro no mar ao largo de Lisboa)(...).

O Grande Sismo de 1755 não teve epicentro no mar ao largo de Lisboa. Inicialmente foi sugerido que o sismo teria tido origem na Falha do Marquês de Pombal, a Sudoeste do Cabo de São Vicente na Margem Algarvia. No entanto cedo se percebeu que esta estrutura era demasiado pequena para gerar um sismo como o de 1755. Hoje em dia pensa-se que o sismo pode ter tido origem na Fallha da Ferradura (onde ocorreu o sismo sentido em Fevereiro deste ano em Lisboa) ou de uma zona de subducção situada sobre o Estreito de Gibraltar. Ambos os locais são no Golfo de Cádis (o bocado de mar entre o Algarve e Marrocos). Esta sim é uma área capaz de gerar grandes sismos por ser uma zona de fronteira entre duas placas tectónicas.

Nunca houve nem haverá um sismo como o de 1755 com epicentro em Lisboa. Simplesmente porque não existe nenhuma estrutura capaz de o gerar.

Esta notícia é grave mas não culpo apenas o Público. Culpo sim o ignorante que forneceu as informações à Protecção Civil e culpo a Protecção Civil. Isto é muito, muito, diria mesmo brutalmente grave. A Protecção Civil, que eu respeito profundamente, não se pode basear em informações erradas. A protecção só pode ser feita se houver conhecimento das causas que põe em risco as pessoas, caso contrário andam a brincar.

Outra hipótese é a de esta informação estar a ser usada politicamente, não é por acaso que ela vem hoje neste jornal, quando toda a oposição tenta desencantar um argumento milagroso para que o Aeroporto não seja construído na Ota. Se assim for é ainda muito mais grave (do que apenas brutalmente grave) pois está-se a brincar com a vida das pessoas. E neste caso culpo jornal por tomar partido nesta desinformação, que vai exactamente contra tudo o que um jornal devia ser.
Façam política rasca à vontade. Eu não tenho nenhuma côr e não visto nenhuma camisola. Mas por favor não metam a Geologia (ainda por cima errada) ao barulho.

15 comentários:

André Pinto disse...

Olá! Totalmente de acordo. E, para além disso, o argumento da "liquefacçao" tambem se poderia aplicar ao Poçeirao, uma vez que também nesse sitio se encontram solos com elevados conteúdos em argilas.

Há dois estudos detractores da OTA. Um deles foi realizado pro bono, por um investigador do IST, em 15 dias. O outro a pedido da Confederaçao de Industriais (nao conhecido pelo publico em geral). A favor da OTA existem carradas deles. Nao defendo a localizaçao da OTA, mas acredito que uma alternativa, ou uma inviabilizaçao, teriam que ser igualmente suportados por estudos cientificos-ténicos convenientes.

A questao do "risco sísmico" foi levantada numa acçao de formaçao da GNR sem rigor científico. Trata-se de uma táctica política para angariar apoio popular, utilizando falácias dramáticas. Uma questao de lobbie.

kota disse...

Os políticos tentam sempre manobrar tudo e todos, quer seja com a ciência ou com religião, a vantagem da ciência é que pode defender-se com factos. Em todo o caso alguns estudos prevêem (a 2 Ma)que possam existir falhas prováveis de movimento inverso e indefinido ao longo da margem norte do Tejo. Será isso?
Já agora aproveitava para saber onde posso consultar carta geológica Portugal, obrigado.

João Moedas Duarte disse...

De facto existem falhas inversas activas na zona de Lisboa. No entanto não têm dimensões suficientes para gerar sismos de grande magnitude.

Por exemplo a Falha do Marquês do Pombal tem mais de 40 km de comprimento de escarpa com expressão morfológica com cerca de 1000 metros de altura. Esta falha é no entanto pequena demais para ter gerado o 1755.

Estamos a falar de falhas com dimensões à escala crustal, que podem cortar quase toda a crusta terrestre. Podem atingir as várias dezenas de quilómetros de profundidade e para produzir sismos como o de 1755 tem de ter várias centenas de quilómetros de extensão.

Só existem dois tipos de sítios no mundo capaz de gerar sismos desta magnitude: os Himalaias (a maior cadeia de colisão continental do mundo) ou zonas de fronteiras de placas convergentes em que uma mergulha sob a outra (zonas de subducção).

Este tem sido um dos argumentos para defender que existe subducção activa sob Gibraltar (Gutscher et al., 2002) e que uma nova zona de subducção está a nuclear na margem SW Ibérica (Ribeiro et al., 1996).

Eu fiquei indignado porque o artigo e o estudo dizem que o sismo de 1755 teve origem junto a Lisboa, o que está errado.

Normalmente chama-se Grande Sismo de Lisboa porque esta era a única grande cidade que havia por estas bandas. Mas o Algarve, Cádis e a Costa Norte de Marrocos sofreram danos muito superiores à zona de Lisboa. Só que havia pouca gente a viver lá.

Por outro lado o artigo diz claramente que pode ocorrer um sismo como o de 1755 com epicentro na Área Metropolitana de Lisboa. Isto é impossível acontecer. Tinha-mos de lá ter ou uma cadeia de montanhas como os Himalaias ou uma zona de subducção!

Os erros em si não são graves, o que é grave é a ignorância desmonstrada pelas pessoas e organismos que deviam zelar pela nossa segurança.


Bibliografia:

Gutscher, M.-A., Malod, J., Rehault, J.-P., Contrucci, I., Klingelhoefer, F., Mendes-Victor, L., Spakman, W. (2002) - Evidence for active subduction beneath Gibraltar. Geology 30, 1071-1074.

Ribeiro, A., J. Cabral, R. Baptista and L. Matias, 1996. Stress patern in Portugal mainland and the adjacent Atlantic region, West Iberia. Tectonophysics, 15,(2), 641-659.

Quanto às cartas geológicas de portugal podem ser consultadas e compradas no INETI (ex. Instituto Geológico e Mineiro) em Alfragide. Penso que também estão disponíveis para consulta na biblioteca do Departamento de Geologia da FCUL.

Penso que a cartografia geológica também está disponível online net.
Já dei uma vista de olhos no google mas vou sempre parar à página de venda. Vou tentar com mais cuidado.

Cumprimentos

bruno catarino disse...

Boas tardes! realmente, é uma notícia muito esfarrapada, diria, políticamente perversa e sem fundamento ciêntífico nenhum. Enfim.
Já agora, um pequeno reparo: o risco de liquefacção é maior em solos predominantemente arenosos, e se estes estiverem saturados, ainda mais grave é a situação.
De qualquer modo, este fenómeno ocorre quando temos sismos que afectam áreas de grande extensão e com rápidas variações de sentido. Sismos muito localizados e muito "rápidos", levam a que as chamadas tensões neutras (pressão da água)no solo se dissipem facilmente, sem potenciar a liquefacção.
Um bem haja a este blog que conheci somente hoje! Já o tenho nos meus favoritos, obviamente.

Já agora, visitem o meu:
http://www.seisseixos.blogspot.com
é uma coisa soft...

bruno catarino disse...

Boas tardes! realmente, é uma notícia muito esfarrapada, diria, políticamente perversa e sem fundamento ciêntífico nenhum. Enfim.
Já agora, um pequeno reparo: o risco de liquefacção é maior em solos predominantemente arenosos, e se estes estiverem saturados, ainda mais grave é a situação.
De qualquer modo, este fenómeno ocorre quando temos sismos que afectam áreas de grande extensão e com rápidas variações de sentido. Sismos muito localizados e muito "rápidos", levam a que as chamadas tensões neutras (pressão da água)no solo se dissipem facilmente, sem potenciar a liquefacção.
Um bem haja a este blog que conheci somente hoje! Já o tenho nos meus favoritos, obviamente.

Já agora, visitem o meu:
http://www.seisseixos.blogspot.com
é uma coisa soft...

Joaquim Moedas Duarte disse...

Começa a cheirar muito mal a obsessão contra a OTA. Tanto mais que o maior partido da oposição esteve implicado na opção Ota desde o início. Agora faz oposição feroz. Porquê? A quem interessa a margem sul?

Pensem só: o Sr. Belmiro de Azevedo comprou há poucos anos a Península de Tróia ( onde era a falida Torralta). Investiu milhões! E pretende fazer dali o grande pólo turístico alternativo ao Algarve. Que coisa mais catita do que um aeroporto internacional ali ao pé, hem?
Recordemos também: a campanha contra a Ota intensificou-se após o fracasso do Sr. Belmiro de Azevedo na tentativa de compra da PT.
Juntemos outra peça: qual o jornal mais anti-sócrates? O Público, claro, e o seu esclarecido e direitista director. Jornal que pertence ao Sr. Belmiro de Azevedo.
De onde vêm as anedotas, os cartoons, as atoardas sobre Sócrates? Ninguém sabe, apenas se desconfia.
Mas as sondagens continuam a favor de Sócrates. Porquê?
Arrisco uma hipótese: as oposições rascas, boçais, desqualificadas, sem credibilidade apenas benificiam o alvo que pretendem atingir.

Aqui só para nós:
Ponha-se Sócrates ao lado de Marques Mendes em cima de um palco: a quem é que apetece fazer tiro ao alvo com uma bola de trapo?

kota disse...

Obrigado pela indicação, mas o interesse era de facto encontrar as cartas on-line, já tentei mas não consegui nada. Não é uma coisa muito importante, mas tinha algum interesse, até porque estou a estudar um pouco de geologia e ajudava ao conhecimento.
Cumpr.

joaosete disse...

Mais uma vez acho que estamos a perder uma grande oportunidade de "aparecer".

- Alqueva;
- Túnel do Marquês;
- Costa da Caparica;
- OTA...

São grandes acontecimentos, com factos geológicos importantes e de fácil explicação.
Estamos a ficar para trás e um facto é que também não encontro ideias para combater esta desinformação.

Quanto à OTA, continuo sem saber muito sobre a localização, o que é triste. As teorias da conspiração nascem com uma fluidez tremenda. De facto, porquê ser contra, ou a favor?

Com frases infelizes de ministros arrogantes, com uma oposição que não ajuda a desenvolver e a construir melhor, e que se preocupa essencialmente em destruir os seus adversários de uma forma quase adolescente...

Só quem quer é que aceita esta areia que nos é atirada para os olhos.

Precisamos de informação de pessoas bem formadas, credíveis, independentes e sem interesses em chegar ao resultado x ou y.

paula disse...

Olá joão,

realmente eu já poderia ter dito alguma coisa sobre esta questão da "liquefacção" e sismos na AM Lisboa.vai tarde, mas julgo que a tempo de esclarecer mais alguns comentários aqui lançados. Espero esclarecer algumas questões:

- sismo de 1755, independentemente da fonte sismogénica, a probabilidade de ocorrer novo sismo de magnitude idêntica, é baixissíma, como qualquer geólogo bem o sabe. Magnitudes entre 8 e 9, ocorrem globalmente, em períodos de dezenas a centenas de anos e mesmo em falhas muito activas, isto é com elevados valores de deformação, a probabilidade de serem reincidentes no mesmo segmento é quase nula. Alerto no entanto, para evidências recentes de sismos de magnitudes moderadas a elevadas (magnitudes 7) em falhas que não revelam actividade durante os últimos 50, 100, 200 ka...isto é, consideradas inactivas por alguns parâmetros.
- estruturas activas na AML: a AML abrange uma série de concelhos, nos quais se localizam várias estruturas consideradas activas, tais como Falha de Vila Franca de Xira, Falha da Azambuja, Sistema de Falhas de Porto Novo, Falha de Pinhal Novo-Alcochete, Diapiro de Palmela, Sistema de Falhas Ocultas WNW-ESE, para além da zona sismogénica de Samora-Correia e Benavente, onde ocorreu o sismo de 23/04/1909, de mag. 6.3 Mw (artigos da prof Paula teves-Costa). Algumas são inferidas como predominantemente inversas, outras sabe-se que são normais, outras infere-se uma provável alternância entre componente de desligamento e componente vertical. Parece mais que evidente, que existem estruturas para ocorrência de sismos de magnitude moderada e intensidade elevada, tal como por exemplo os sismos de 1531 e 1909 demonstraram...não é preciso referir o de 1755...A protecção Civil até estava certa.
- finalmente liquefação...as argilas não possuem um papel relevante para a liquefacção dos solos. Quem quiser instruir-se há um paper (Obbermeier, 1996) que é a bíblia para estudos de liquefacção. Há também uma tese no LNEC sobre este tema e aplicação a portugal (Celeste Jorge, 1993). No caso da AML o que promove/favorece a liquefacção, é a existência de unidades arenosas, porosas de idade miocénica e pliocénica e até quaternária, subjacentes a terraços de cascalheiras e arenosos quaternários, que são materiais porosos com elevada probabilidade de serem liquefeitos, ainda por cima associados a níveis freáticos. Embora neste caso, a Ota seja a zona onde maiores evidências de liquefacção foram reconhecidas (insere-se no sector Castanheira do Ribatejo- Azambuja, onde foram identificadas as maiores ocorrências), talvez a zona de Alcochete também seja altamente susceptível de, por ter uma geologia semelhante à zona de samora e benavente, onde ocorreram bastantes fenómenos de liquefação, associado ao sismo de 1909. Poceirão de facto, não me parece nada provável para a ocorrência de liquefacção susceptível de grandes destruições.
- finalmente...a liquefacção não precisa de sismos de magnitude elevadas para ocorrer...sismos de 5 e tal, 6 e pouco originam liquefacção, dependendo também da disponibilidade de outros factores. Sismos sem rotura superficial.É o que sucede em Lisboa.

Paula Marques Figueiredo

paula disse...

joão,
novamente e já agora deixo um excerto da mesma notícia que referiste:

"O Estudo dos Cenários Prováveis" equacionou duas hipóteses: a primeira, e menos provável, tomou como referência o sismo de 1755 (epicentro no mar ao largo de Lisboa); e a segunda, um cenário mais provável, um sismo com epicentro em terra, na AML. Nas simulações para o segundo cenário (o mais provável), os investigadores calcularam o número de vítimas mortais em quase dez mil, bem como 273 mil desalojados."

Continuo a achar que a notícia não está tão mal. E a hipótese da rotura de 1755 ser nas estruturas que referiste, continua acima de tudo a ser mais uma teoria, como tu bem sabes. Concordo em denunciar falsas declarações, mas esta não é a mais grave.

beijinhos
paula

João Moedas Duarte disse...

Paula, muito obrigado pelos esclarecimentos! É sempre bom "ouvir" a opinião de uma especialista :)

Anónimo disse...

ola meus caros colegas . penso que esta teoria e bastante interresante . ainda bem que ha gente interresada nestes assuntos que sao tao importantes no nosso mundo .
passem no meu forum : meuenossomundo.com

passem la . e um site muito interresante .

Anónimo disse...

eu estou sempre la !!
passem P.F !

jose mendes costa silva

Márcio Cravo disse...

Boas.

Sou um estudante de Engª da protecção civil e infelizmente, tenho de concordar com o que aqui foi dito, pois infelizmente a protecção civil em portugal é um estado dentro de um outro estado...
Estou a fazer um trabalho sobre liquefação de solos, e não encontro nada na internet que prove que já houve esse tipo de fenómeno em portugal. Será que me podem ajudar neste aspecto??

Márcio Cravo disse...

Já li um documento que tinha o que queria: (Celeste Jorge, 1993)

Obrigado na mesma!