Sendo a Geologia uma disciplina científica cujas origens são muito antigas, não é de estranhar a elevada homogeneidade dos programas das várias licenciaturas existentes por todo o mundo. De facto, se perguntarmos a qualquer estudante de licenciatura quais são para ele os principais ramos da Geologia, a resposta será bastante parecida, independentemente da universidade onde estude. Nomes como Paleontologia, Estratigrafia, Mineralogia, Petrologia ou Geologia Estrutural despertam o nosso peculiar sentido de compartimentação do conhecimento, e a transmissão de saber nestas áreas constitui o fundamento da manutenção daquilo que podemos designar como a "identidade científica" da Geologia. No entanto, esta tradição não representa o limite das possibilidades de investigação de uma pessoa com semelhante formação científica. Longe disso. Para lá do (para mim, excessivo e perigoso) culto à tão propalada actividade inter-disciplinar, os geólogos têm coisas importantes a dizer no âmbito de assuntos tão díspares como realogia dos materiais sólidos, prevenção e remediação ambientais, ciências agrícolas, astronomia, ou a medicina.
A edição de Dezembro de 2007 da revista Elements (publicação mensal que versa sobre temas de Mineralogia, Geoquímica e Petrologia) foi dedicada na sua totalidade a artigos relacionados com a Geoquímica e Mineralogia em Medicina. Os assuntos abordados, como se pode ler na capa, não soam estranhos ao ouvido geológico mais tradicional: mineralização de ossos e dentes, interacções entre proteínas e superfícies de minerais dos solos, potencial tóxico de pós de minerais, pedras dos rins, são alguns exemplos.
De entre os vários excelentes artigos incluídos nesta edição, há um que considero particularmente interessante, de Jeffrey Wesson e Michael Ward, cujo título é (traduzido para Português) "Biomineralização patológica de pedras dos rins". Neste estudo, os autores procuram as razões pelas quais o oxalato de cálcio monohidratado (COM) forma agregados e, portanto, origina patologias renais, e o dihidratado (COD) permanece em cristais soltos no seio da urina. Grande parte dos conceitos científicos manipulados para levar a investigação a bom porto são do foro da Mineralogia, Cristalografia e Geoquímica.
Esquerda (COM) http://images.google.com/imgres?imgurl=http://scienceroll.files.wordpress.com/2007/09/calciumoxalatemonohydrate.jpg&imgrefurl=http://scienceroll.com/2007/09/05/kidney-stones-and-photography/&h=300&w=400&sz=17&hl=pt-PT&start=7&um=1&tbnid=kxvmD-izmM8EaM:&tbnh=93&tbnw=124&prev=/images%3Fq%3Dcalcium%2Boxalate%2Bmonohydrate%26um%3D1%26hl%3Dpt-PT%26lr%3D%26sa%3DG
Direita (COD) http://diaglab.vet.cornell.edu/clinpath/modules/ua-sed/images/ox-di.jpg
Já agora, parece que a resposta ao problema reside na maior força de adesão entre as moléculas orgânicas da urina e a principal face do COM. Essas moléculas orgânicas com cadeias laterais iónicas promovem por sua vez a adesão mais forte entre os cristais de COM entre si, formando agregados estáveis, que podem obstruir os canais dos rins gerando patologias. A adesão das moléculas orgânicas sobre a face mais importante do COD, pelo contrário, é muito mais fraca, de forma que os agregados deste cristal são muito instáveis e raros. Assim, o carácter "benigno" e "maligno" de cada um dos minerais é controlado pelas incidências cristalográficas deste processo de interacção. O desenvolvimento de técnicas de cura e prevenção destas doenças passa pela obtenção deste tipo de dados.