Abaixo são reproduzidas as declarações recentes do Presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) sobre aqueles cujo organismo a que preside tutela, os bolseiros, conjuntamente com a resposta da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC).
Para além de dar a ideia que o Prof. não sabe muito bem o que é um bolseiro (ver a terceira declaração) há umas frases que dão a ideia de que o senhor também terá uma costela de comediante (a primeira e a última declaração).
DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE DA FCT
O Presidente da FCT, durante a apresentação do Consórcio InBio, a dia 15 de Junho, em Vairão, respondeu a questões colocadas pelos bolseiros presentes no evento e que são elucidativas das suas posições. (As citações apresentadas aqui são parafraseamentos mas que pensamos preservar o sentido original.)
«Os bolseiros são privilegiados pois fazem aquilo de que gostam e ainda são pagos para isso.»
Certamente que o Prof. Sentieiro não pretende sugerir que só os que trabalham naquilo que não gostam sejam pagos por isso. Os investigadores e técnicos recebem uma bolsa fruto do seu trabalho e estudo, cujo mérito foi avaliado e reconhecido por um painel de avaliação. Recebem pela realização do seu trabalho e contribuição para a produção científica um subsídio. Jovens investigadores e técnicos encontram na bolsa a única forma de prosseguir uma carreira em ciência. Fazem-no apesar das dificuldades e insegurança que o sistema de bolsas implica. O termo “privilegiado”, que faz recordar afirmações deste Governo face aos funcionários da Função Pública, é revelador de uma falta de reconhecimento do trabalho e serviço que os bolseiros prestam ao sistema científico e tecnológico nacional (SCTN). É necessário que façamos a tutela compreender que somos trabalhadores científicos, cujo trabalho deve ser valorizado.
«A nova proposta do estatuto de bolseiro da ABIC quer transformar os bolseiros em funcionários públicos.»
Esta é uma descaracterização da proposta da ABIC. A ABIC não apela à transferência dos bolseiros para os quadros da função pública. A PAEBI reclama a substituição das bolsas por contratos de trabalho.
Estes poderão ser contratos a termo, semelhantes aos actualmente financiados pela FCT através de contratos-programa no âmbito do «Concurso Público para a Contratação de 1000 investigadores doutorados». Estes contratos não implicam a entrada nos quadros das instituições de acolhimento. A PAEBI recomenda que os “contratos devem ser equiparados ao regime de Carreira de Investigação Científica ou ao regime geral das carreiras da Administração Pública”, para que esses investigadores, embora não pertencendo às carreiras, possam ir rentabilizando a sua experiência de trabalho em termos de remuneração – o que contrasta com a situação caricata de um ex-bolseiro de pós-doutoramento, que aceitando uma bolsa de projecto para prosseguir o seu trabalho, veja a sua remuneração mensal reduzida em cerca de 700€.
«Se um bolseiro é considerado um trabalhador igual aos outros então um estudante de engenharia também devia ser pago para estudar engenharia.»
Esta afirmação revela a confusão reinante sobre como distinguir um estudante de um profissional de ciência (investigador, técnico, gestor de ciência). A PAEBI segue neste respeito a Carta Europeia do Investigador, que define que o reconhecimento como profissional deve “começar no início da sua carreira, nomeadamente a nível pós graduado, e incluir todos os níveis”. Isto é, nos termos pré-Bolonha, um licenciado é considerado um profissional. Existe sempre alguma componente de formação no trabalho realizado por um bolseiro, mas essa componente é inerente à actividade científica e coloca-se a qualquer nível. Sem prejuízo dessa componente, a actividade dos bolseiros é fundamentalmente a de realização de trabalho científico e de produção científica, equivalente à dos investigadores e técnicos de carreira. Esta distinção é clara para a grande maioria dos actuais bolseiros, como sejam os bolseiros de pós-doutoramento e de projecto. Vejam como a maior parte dos anúncios de bolsas de investigação incluem nos requerimentos do candidato experiência na actividade que irão realizar enquanto bolseiro. Claramente a bolsa não se destina a formar um “estudante” na área de trabalho, mas para recrutar um profissional já com alguma experiência. A distinção poderá ser menos clara no caso de um doutorando, o actual 3º ciclo de ensino superior. O doutorando, muitas vezes referido como “estudante de doutoramento” tem de se inscrever na instituição de acolhimento, pagar propinas, e irá obter um grau académico. Tornam-se frequentes os programas de doutoramento que incluem um período de frequência de cadeiras e seminários. A PAEBI faz a este respeito uma distinção, considerando que durante este período mais curricular, sendo predominante a componente de formação, deve ser atribuída uma bolsa. Numa fase mais avançada do doutoramento, durante a qual é predominante a realização de trabalho científico, deve ser atribuído um contrato de trabalho. Este sistema misto existe, por exemplo, na Espanha, Grécia e Suécia. Noutros países da União Europeia, como a Alemanha, Áustria, Dinamarca, Holanda e Noruega os doutorandos assinam um contrato de trabalho durante todo o periodo de doutoramento. A exigência da generalização de contratos de trabalho tem em conta a realidade de grande parte dos actuais bolseiros e o justo reconhecimento do pós-graduado como profissional.
«Concordo que as pessoas tenham bolsas de pós-doc de 3 anos a seguir ao doutoramento, mas não devem ter bolsas para toda a vida.»
Neste ponto há convergência. A questão que se coloca é a de alternativas às bolsas. São conhecidos muitos casos de investigadores e técnicos que são bolseiros há 8-10 anos, alguns com mais de 12 anos. Mas a realidade é que a bolsa é muitas vezes a única forma de estes poderem auferir rendimento para a continuação do seu trabalho. Por isso a ABIC tem defendido, paralelamente à revisão do estatuto, um maior incentivo à criação de emprego científico. Nesse campo, as medidas do actual governo estão muito aquém das suas promessas. A principal medida foi a abertura do «Concurso Público para a Contratação de 1000 investigadores doutorados», mas seria necessário contratar dez vezes mais investigadores para aproximar o número de investigadores per capita face à média da União Europeia, e adicionalmente um número ainda superior de técnicos. Sendo esta medida positiva, ela é restritiva e insuficiente, não respondendo à acentuada necessidade de contratação de técnicos de investigação. Uma realidade crescente e preocupante é a substituição da bolsa por avenças: o mesmo investigador passa a ser pago pela sua instituição enquanto prestador de serviços. Em vez de ser assinado um contrato a termo, o investigador ou técnico assina regularmente um recibo verde – uma forma de trabalho precário infelizmente já generalizada entre os trabalhadores portugueses.
«Têm que se mentalizar que têm que ir lá para fora e que isso não é mau para o país.»
Naturalmente que é positivo para o país existirem portugueses a trabalhar no estrangeiro, criando assim pontes de contacto entre comunidades científicas. Contudo o mais amplo aproveitamento da formação no estrangeiro só tem lugar se os investigadores e técnicos puderem depois regressar a Portugal para aqui se capitalizarem os conhecimentos e contactos estabelecidos lá fora. Porém, o actual défice de oferta de emprego científico, nos sectores público e privado, e a precariedade associada às bolsas de investigação, funciona como um desincentivo ao retorno e integração no sistema nacional. Certamente que não é benéfico para o país financiar investigadores cuja mais-valia não irá contribuir para a produção científica nacional, sobretudo quando Portugal tem grande necessidade de mais investigadores e técnicos e quando o Governo aponta a Ciência e Tecnologia como um dos eixos de desenvolvimento económico. A mobilidade dos investigadores é um elemento necessário para um ciência aberta, mas ela deve funcionar através de um sistema de incentivos, e.g., mais recursos de trabalho, melhor remuneração, e não através de factores de expulsão, e.g., precariedade, falta de perspectivas de emprego, que conduzem a uma “fuga de cérebros” e um desperdício dos recursos nacionais.
«Concordo com o aumento dos montantes das bolsas, mas isso irá fazer com que menos pessoas recebam bolsas no futuro.»
Os montantes das bolsas nacionais não são actualizados desde 2002, o que tem implicado, devido à inflação, um decréscimo significativo do valor real das bolsas. Uma actualização do montante das bolsas é claramente necessário. Face a esta reivindicação, a FCT tem retorquido que isso implicará uma redução do montante das bolsas, colocando o ónus da responsabilidade nos que reclamam uma justa actualização dos montantes. Mas essa ilação implica a decisão política por parte da tutela de não fazer o necessário reajuste orçamental. Um efectivo reforço do SCTN não pode ser feito à custa de uma maior precarização do trabalho científico. Tal tornará a carreira científica menos atractiva aos estudantes que têm de optar pela sua carreira profissional e conduzirá a uma maior “fuga de cérebros”. São necessários mais recursos humanos nas áreas de Ciência e Tecnologia, mas com condições dignas e atractivas, como recomendado pela Carta Europeia do Investigador.