Um destes dias quando ia a chegar ao meu local de trabalho deparei-me com pequeno monte de areia no pavimento junto à entrada. Todos os dias esse monte ia crescendo até que acabaram por se formar três picos com cerca de 5 cm de altura. Eram quilos e quilos de areia que iam brotando do chão por entre as junções dos mosaicos. Um olhar mais atento revelou uns pequenos buraquinhos nos montes de areia por onde saíam umas pequenas formigas. Umas saíam dos buracos com grãos de areia às costas e colocavam no monte enquanto outras entravam com pequenos fragmentos de matéria vegetal que se fora acumulando ali a uns 5 metros durante estes dias ventosos de primavera em que as árvores começam a libertar todo o tipo de coisas que me fazem alergia.
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Pensei, como é que estas formigas sabem o que têm de fazer? Como é que se organizam tantos seres? Será que têm uma reunião de manhã e dizem: “tu vais buscar pólenes, enquanto tu e tu vão abrir espaço no extremo Oeste do formigueiro e levam a areia lá para fora para o monte da esquerda”. Que tipo de leis regem este comportamento? Será que existe um qualquer tipo de consciência colectiva? Será que as formigas se comportam como partes de um grande organismo à semelhança das células do nosso corpo, que sabem exactamente o que têm de fazer? Deve haver uma lei que rege este comportamento. Complexa é certo, mas deve haver!
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Depois fez-se uma luz na minha cabeça. Aquilo era um fenómeno de Emergência. É claro que estava influenciado pelo livro que ando a ler chamado “Um Universo Diferente – Reinventar a física na era da Emergência”. Aí Robert Laughlin, prémio Nobel da Física em 1998, define Emergência como uma estrutura organizacional complexa que cresce de regras simples.
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No caso das formigas, apesar de serem constituídas por átomos cujo o comportamento obedece às regras da mecânica quântica, que por sua vez forma moléculas e células que se regem pelas regras da física e da química, as formigas são organismos vivos complexos e têm comportamentos e interacções “sociais” complexas que não podem ser derivadas directamente das leis químicas e físicas subjacentes. Têm de haver outras leis de macroescala que expliquem estes fenómenos organizacionais das formigas, de alguma forma desacoplados das leis microscópicas. É como se o todo fosse muito maior e muito mais complexo que a soma das partes, e é! Isto é contrário à visão “reducionista” que afirma que se compreendermos as leis microscópicas (as partes) podemos deduzir as leis que regem o mundo macroscópico como um organismo vivo (o todo).
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É brutal como padrões complexos podem surgir de interacções relativamente simples. O mundo está cheio de estruturas emergentes. Os fenómenos atmosféricos, os furacões, os tornados. A cor e a temperatura por exemplo. As partículas elementares não têm cor nem temperatura, apenas quando estas se associam em grandes conjuntos de átomos é que estas propriedades emergem. Quanto às formigas, estas não obedecem a ordem directas da rainha, mas reagem a estímulos químicos deixados por larvas, outras formigas, comida, etc, e deixam para trás outros químicos para que outras possam seguir. É impressionante como estruturas tão complexas como as colónias de formigas se geram a partir reacções químicas relativamente simples. Terminaria dizendo que a compreensão dos fenómenos de emergência é sem duvida um dos grandes desafios da ciência deste novo século. A acompanhar nos próximos episódios...
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